8 de setembro de 2012

Manual de instruções

« Já que somos os dois tão inteligentes e organizados, podíamos fazer um seminário em conjunto para aprender a lidar com a vida, e já agora, um com o outro. Ambos gostamos de ensinar e ambos adoramos aprender, ambos queremos sempre mais da vida do que ela nos dá e nenhum de nós está feliz assim; por isso, além de estarmos outra vez juntos, até podia ter alguma utilidade. 
O tema do seminário podia ser «As Diferenças Que Nos Aproximam», porque as semelhanças, as coincidências, os amigos, o sangue, os sonhos e os medos são os mesmos; somos cartas repetidas do mesmo baralho, que se colam uma à outra para não serem apanhadas numa jogada mais atenta, mas que se separam quando são baralhadas e podem ficar muito longe uma da outra, mesmo quando estão perto. (...)
Temos ainda muito que aprender e ensinar um ao outro, se a distância não se transformar em orgulho e as portas não se fecharem com os mal-entendidos.
Podias-me ensinar a viver com os pés na terra e eu ensinava-te a voar; tu explicavas-me como é que aprendeste a proteger o coração e eu explicava-te como é que o podes abrir sem o perder. Tu mostravas-me todas as vezes em que eu fui exagerada e eu contava-te todas as vezes em que foste condescendente e pouco sincero. Tu demonstravas-me como o planeta se pode salvar com energias alternativas e eu explicava-te como é que Gabriel García Marquez conseguiu enviar o manuscrito de Cem Anos de Solidão, quando nem dinheiro para os selos tinha. Tu mostravas-me novas constelações e eu dava-te uma noite de Lua Cheia diferente de todas as que já tiveste. Quando me perguntam porque é que gosto tanto de ti, nunca falo do teu porte aristocrático, da tua beleza clássica, da tua inteligência cartesiana, da tua delicadeza rara, do teu cuidado e atenção quando amas uma mulher. Também não falo dos teus defeitos, que conheço melhor do que pensas, porque o que sinto por ti está acima de todas as tuas virtudes e de todas as tuas falhas. No seminário imaginário, sei que a maior lição é aceitar-te como és e mostrar-te que apenas te quero ver feliz, mesmo sem ser ao meu lado, que é, afinal, tudo o que também queres para mim. Por isso, quando tiveres tempo e vontade, marca uma data que encaixe na tua agenda e vem falar comigo das nossas diferenças, porque talvez elas nos aproximem mais do que alguma vez pensamos e juntos possamos escrever um manual de instruções. »
in A Minha Casa É O Teu Coração, Margarida Rebelo Pinto